Justiça reconhece vínculo empregatício entre Uber e motorista

A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região rejeitou um acordo entre a Uber e um motorista de aplicativo. Dessa forma, os juízes envolvidos na causa decidiram que existia, sim, um vínculo empregatício entre Uber e o motorista envolvido no caso.

O juízo do TRT 11 entendeu que o acordo objetivava criar jurisprudência favorável para a Uber, isto é, uma “uniformidade jurisprudencial”.

Uma das magistradas, desembargadora Ruth Barbosa Sampaio, disse que “o caso ultrapassa o interesse meramente individual da parte reclamante, pois atinge a coletividade em geral, uma vez que se trata de prática que deve ser rechaçada por todo, com a finalidade de evitar a ocorrência de dumping social, empresarial, previdenciário, fiscal e trabalhista”.

Justiça reconhece vínculo empregatício entre Uber e motorista

Prosseguindo em sua argumentação, Ruth Barbosa afirmou, segundo os autos do processo, que “a corte não pode se curvar diante da tentativa da Uber de camuflar a aparente uniformidade jurisprudencial, disfarçando a existência de dissidência de entendimentos quanto à matéria analisada”.

“Esta prática é decorrência da conhecida jurimetria, uma espécie de estatística do direito que, inclusive, em alguns casos, utiliza inteligência artificial para alcançar fins, a priori, de acordo com o ordenamento jurídico, sem que os julgadores percebam o que está, em verdade, ocorrendo. Jamais pode ser aceita no Poder Judiciário, ainda mais quando postos em juízo preceitos e princípios constitucionais que perpassam o interesse meramente individual do reclamante”.

Os motoristas correm risco em todas as corridas

A desembargadora explicou que os condutores associados à Uber correm determinados riscos em todas as corridas realizadas. Por outras palavras, o acórdão diz:

“O controle sobre os motoristas é elevado. Apesar dos trabalhadores serem remunerados apenas quando realizam viagens demandadas pelo aplicativo, a Uber mantém a coleta de informações dos motoristas mesmo quando não estão em uma corrida. A partir desses elementos, a empresa consegue delinear padrões”

Subordinação psíquica à Uber

Ruth ainda ressaltou que os motoristas trabalhadores das plataformas de mobilidade, como a Uber, sofrem o que ela classificou como “subordinação psíquica”.

Trata-se de um fenômeno:

“caracterizado pelo fato de o trabalhador ficar vinculado à prestação dos serviços pela necessidade de subsistência ou até mesmo para que não seja excluído daquela prestação por não ter feito ativações suficientes para a permanência naquele vínculo sob os critérios do algoritmo”.

Manipulação de jurisprudência por parte da Uber

Em abril de 2021, outro processo judicial empreendido pela 6ª Turma da 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região chegou à conclusão de que a Uber pratica “manipulação de jurisprudência”.

De acordo com o site Consultor Jurídico, os advogados da Uber agem com rapidez para que a jurisprudência seja sempre favorável à empresa.

Menos de 24 horas antes do julgamento, as partes juntaram petição requerendo homologação de acordo e, consequentemente, a retirada do processo da pauta de julgamento. Os pedidos foram indeferidos pela turma, por vários motivos.

Os juízes indeferiram por considerar que a Uber pratica fraude trabalhista, a qual é

propositadamente camuflada pela aparente uniformidade jurisprudencial, que disfarça a existência de dissidência de entendimento quanto à matéria, aparentando que a jurisprudência se unifica no sentido de admitir, a priori, que os fatos se configuram de modo uniforme em todos os processos (jurimetria).

Com isso, por outras palavras, a Uber ganha, além da causa, tempo, por impedir “o fluxo natural da jurisprudência e a configuração da pluralidade de entendimentos para que, enfim, as instâncias competentes possam consumar o posicionamento definitivo sobre a matéria”.

Nota da Uber sobre os fatos relatados

Como esperado, a assessoria da Uber informou que irá recorrer da decisão, que, segundo ela, “não é consenso no Judiciário”.

Confira o pronunciamento da Uber:

A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 3ª Turma do TRT da 11ª Região, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal Regional e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – o mais recente deles no mês passado.

Ao recusar acordo firmado entre as partes, a Turma passa por cima da vontade expressa de seus jurisdicionados e desconsidera completamente a diretriz da Justiça do Trabalho de preferência pela solução consensual de conflitos. Além disso, a afirmação de que a Uber tenta “controlar a jurisprudência” não se sustenta quando confrontada com a realidade. Do total de ações contra a Uber finalizadas até 2020, cerca de 10% resultaram em acordos, índice que representa menos da metade da média na Justiça do Trabalho (24%) e também é inferior à média de todo o Poder Judiciário no país (13%), de acordo com o mais recente relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça.

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de mil decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, sendo que não há nenhuma decisão consolidada que determine o registro de motorista parceiro como empregado da Uber.

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.

O TST já reconheceu, em quatro julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. No mais recente, a 5ª Turma considerou que o motorista “poderia ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”.

Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.

Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro, e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de 2019.

 

Alberto Vicente (DRT-5272-BA) é formado em Letras (UEFS) e desde 1997 vem acumulando experiência na redação de textos para blogs e sites.

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